O treinador do surpreendente líder da Liga mostra-se convencido de que a liderança do Leixões é tão inatacável que começa a assustar
RECORD – Equipa que costuma apresentar um rendimento como o do Leixões, normalmente apura-se para a Europa. O presidente Carlos Oliveira diz que não conhece essa senhora chamada UEFA que só dá despesas. Qual é o seu comentário?
JOSÉ MOTA – Dá despesas, mas é muito bom. Consegui uma qualificação ao serviço do P. Ferreira e as sensações são únicas. Sobre essa questão das metas, reafirmo o seguinte: quando assegurarmos a permanência, teremos de renovar objectivos e direi abertamente que a meta é a UEFA quando a manutenção estiver garantida. Sabemos das nossas limitações, mas o nosso campeonato é espectacular a todos os níveis.
R – O campeonato do Leixões deixou de ser engraçado, já o estão a levar a sério?
JM – Nas conversas de café ainda levam isto na brincadeira. Os grandes clubes já nos levam a sério, vêem-nos a jogar e percebem que o Leixões tem qualidade. Uma coisa é ganhar um jogo; outra é atingir 7 e somar 5 consecutivos fora de casa.
R – O Leixões soma 5 vitórias fora. Melhor que este registo, e é preciso recuar mais de 10 anos, só o FC Porto de António Oliveira que em 96/97 conseguiu 11. Estamos perante uma prova de estaleca mental?
JM – Sem dúvida, é uma das nossas forças. Elegem-nos como a equipa com mais qualidade e é justo que o façam. Não somos os melhores, temos sido os melhores. Isto é o mais importante. Ultrapassamos os adversários com distinção mas estamos é convencidos que temos de melhorar.
R – É por isso que tem sido muito requisitado para dar explicações sobre o sucesso?
JM – É uma onda magnífica e de todos os cantos do Mundo me perguntam qual é o segredo. Tenho sugerido que venham ver-nos a treinar. Reunimos jogadores de qualidade e, com uma liderança determinada e forte, fizemos-lhes sentir que é possível concretizar determinados objectivos.
R – Hugo Morais disse que é uma questão de acreditar...
JM – Quando cheguei ao Leixões, e porque conhecia a maioria dos jogadores, senti que havia valor. Disse desde a primeira hora que se os jogadores acreditassem que era possível melhorar em todos os aspectos, seria possível que viéssemos a estar presentes perante alguns dos protagonistas do campeonato. Conheço bem o Hugo Morais e perguntava o que lhe falta para atingir um patamar mais elevado? Eram condições de trabalho e de ele perceber que se trabalhasse no limite, deixando o quanto baste, poderia continuar a subir patamares. Tive que incutir esse espírito. Eles limitavam-se a querer ganhar o jogo, mas de uma forma muito pouco objectiva. Há, realmente, um trabalho psicológico e fizemos ver aos jogadores aquilo de que eles são realmente capazes.
R – A construção do plantel, quase cirúrgica, é outro factor que suporta o 1.º lugar?
JM – As vitórias têm surgido com grande mérito e o nosso 1.º lugar é inquestionável. Gosto que o plantel sinta que o 1.º lugar pertence-lhe com muito mérito e fruto da qualidade dos jogadores. Não é que não estejam a dar-nos valor, mas aparecemos como outsider, por acaso... Não somos uma surpresa. Não fomos piores que nenhum dos nossos adversários e diariamente o nosso mérito é discutido internamente para nos tornarmos ainda mais fortes. Este estado de espírito, de uma aprendizagem contínua, é a nossa força
.R – Em 2000, numa análise a cinco vitórias consecutivas no P. Ferreira, disse o seguinte: “Não é com orçamentos elevados que se faz uma equipa forte e com qualidade.” Oito anos depois pode transportar esta frase para o actual momento do Leixões?
JM – Disse isso e mais. Dizia que não havia nenhuma equipa a ter a qualidade do P. Ferreira. Com esta equipa do Leixões e o P. Ferreira de 2000 lutaria pelo título. Este Leixões é um pouco parecido com esse P. Ferreira, mas mais pragmático e organizado em termos defensivos. Pode não ter aquele futebol tão romântico e ofensivo, mas tem solidez defensiva.
R – Estamos também perante a sua evolução como treinador?
JM – É verdade. Eu olhava muito para os aspectos ofensivos, achava que o futebol era alegre, mas também não tinha muito como modificar. Nós temos de dar aos jogadores aquilo que eles gostam e sempre me dei bem com o futebol desinibido. A verdade é que muitas vezes perdia...
R – Isso levou-o a dizer que não se preocupava com os adversários. Actualmente também já prepara os jogos em função deles...
JM – Todos nós temos de evoluir, hoje penso um pouco diferente. Nessa altura já conhecia os adversários, mas havia fases em que os meus jogadores não pensavam muito nisso. Estava instituído esse futebol, como uma religião, e era complicado dizer ao grupo que íamos jogar de uma determinada forma porque o adversário se apresentava com este ou aquele esquema. Havia princípios que não conseguia alterar e com essa marca de qualidade ganhámos na Luz e Alvalade. Com orçamentos baixos, deixei, nessa altura, a minha marca e eu estava a chegar. Foi um trabalho soberbo, fantástico, e recordo-me de ter dito que nem o José Mourinho fazia um trabalho tão espectacular como o do José Mota. Com muito pouco conseguiram-se épocas de sonho e chegámos à Taça UEFA e meia-final da Taça de Portugal. Há jogadores desse tempo que estão na elite do futebol, alguns jogaram este ano a Liga dos Campeões.
R – Enquanto isso, os grandes esbanjam dinheiro em “flops”. Como se sente ao transformar jogadores desconhecidos em ouro?
JM – Tenho sido o treinador que mais rendimento financeiro tem dado aos clubes. Nos anos que estive no P. Ferreira foram inúmeros os jogadores que deram dinheiro. Não sei se é por acaso, mas vim para o Leixões e à 2.ª jornada o Jorge Gonçalves foi transferido para o Racing Santander. Fiquei todo feliz e disse-o ao grupo. Este Leixões não é apenas líder da classificação, é líder na solidariedade. A equipa é unida e aceita um ou outro jogador que se valoriza. O bom treinador é aquele que tira dos jogadores aquilo que eles têm para dar. Élvis, Nuno Silva, Joel, Hugo Morais, o próprio China e o Diogo Valente, o Zé Manuel e Laranjeiro que não jogavam nos seus clubes, não passavam de meros jogadores. Hoje, são melhores.
R – Vai ficar feliz ou triste se perder alguns jogadores na reabertura do mercado?
JM – Ao contrário de alguns colegas meus, que se queixam de que vão ficar mais fracos com a saída de beltrano e sicrano, fico feliz. Não podemos pensar dessa forma. Temos é de lembrar aos que ficam que a seguir podem ser eles. O trabalho continua a ser o mesmo, nascem outras apostas e mais valorizações podem surgir. Ao grupo de trabalho tenho dado este exemplo: o Braga, que jogava no Leça, é um atleta que passou o teste com distinção. É uma referência do Leixões e está entre os 3/4 melhores jogadores do campeonato.
R – Se acrescentarmos o Bruno China, Beto e Wesley, estamos perante um tremendo rombo na equipa...
JM – Os clubes mais pequenos têm de sobreviver e aos jogadores, que tanto incentivo a valorizarem-se, não podia, na hora certa, dizer que não os deixava sair. A vida são dois dias.
R – O perigo desta fase, independentemente do gozo que esse reconhecimento dá, é o lado mental. Há oportunidades de perder a cabeça e aquelas que se fala muito, mas que não se concretizam...
JM – Temos de saber viver com isso e aos jogadores digo o seguinte quando chega este período das transferências: acreditem mais em mim que no homem do talho. Normalmente, os jogadores acreditam mais nas pessoas de fora, do que naquelas com quem trabalham diariamente. É fácil dizer que se tem esta e aquela proposta e muitas vezes nem corresponde à realidade. Oxalá fosse verdade, mas 75 por cento do que sai na imprensa nesta fase não é verdade. Os jogadores têm é de perceber que o caminho é continuar a trabalhar. Eu noto que existe estabilidade a esse nível e não vejo a euforia desmedida de pensarem que são bons. Dou-lhes exemplos falhados, pois o difícil é manterem-se no topo. A minha carreira desenvolveu-se assim e procuro que essa conduta se possa aplicar aos meus jogadores. Não sou de influências ou passarelas, escolheram-me para ser treinador do Leixões, como me tinham escolhido para treinar o P. Ferreira.«Não olho para o passaporte nem ao nome do agente»
R – Uma pré-época complicada não previa este arranque. Num sucesso que se divide por toda a equipa, Wesley, Roberto Sousa, Laranjeiro e Vasco Fernandes, contratados quase em cima do início do campeonato, marcam a diferença?
JM – Sabíamos desde a primeira hora que precisávamos desses jogadores e se o Leixões tivesse condições financeiras tinham começado a época connosco. Tivemos de ter paciência, mas há males que vêm por bem. Estes mesmos jogadores, se tivessem sido contratados logo no início, teriam ficado mais caros ao Leixões em quase 100 por cento. Sujeitaram-se à lei do mercado e agarraram aquilo que o Leixões lhes deu. Mas em relação à pré-época, não concordo com a ideia de que as coisas não correram bem. As equipas não ganham os campeonatos da pré-temporada, descem sempre.
R – Não é fácil impor-lhe um jogador? Na pré-época venderam-lhe a ideia de que Scopa, um argentino contratado pelo FC Porto para rodar noutros clubes, era bom, mas durou pouco tempo...
JM – Não olho para o passaporte, nem me interessa o nome do agente. Olho para a qualidade do jogador. É bom, tem aval; não tem, não fica. Quando chegam os maus resultados a cabeça que rola é a do treinador. Portanto, se há essa sentença, então que aconteça por aquilo que a minha cabeça decide. No que respeita ao planeamento do plantel, só há uma pessoa a quem tenho de prestar contas, é ao Vítor Oliveira. Fomos nós, em comum, que trabalhamos muito para ter este plantel.
R – Como está essa relação?
JM – Excelente. Conheço o Vítor Oliveira há muitos anos e foi um grande orgulho para mim ter recebido o seu convite mesmo antes de ele assumir esse cargo. Ele não aceitou ser director desportivo sem primeiro saber se eu aceitava ser o treinador. Isto é de uma prova de confiança inequívoca. Vítor Oliveira foi meu treinador durante 4 anos e sempre o reconheci como excelente pessoa e bom treinador. Era fácil para ele aceitar o cargo e depois escolher o treinador, mas não o fez sem ter a certeza se eu estava disponível.
R – Já foi sondado por outros clubes?
JM – Não valorizo isso. Há conversas, mas não ligo a boatos. Estou muito bem no Leixões e não deixo de dormir quando se pensa que aparece algo que pode ser melhor. As coisas têm de acontecer com naturalidade e fruto do trabalho. Eu não me encosto a ninguém. Para mim o trabalho é sagrado e não tenho lóbis. Não sou melhor nem pior que no passado, simplesmente há outra conjuntura que se reflecte pelo facto de o Leixões estar no 1.º lugar. Vêem-nos de forma diferente, mas não posso mudar de amigos.«Este Benfica ainda não é grande, grande equipa...»
R – Como analisa Sporting, FC Porto e Benfica?
JM – O FC Porto tem menos pontos e está um pouco aquém, mas se ganhar o jogo que tem em atraso está na luta pela liderança. O Benfica é vice-líder, mas apresenta algumas oscilações. Tem bons jogadores, mas falta-lhe ainda uma equipa com a qualidade desejada. Está numa posição privilegiada, ainda não perdeu, mas não me parece uma equipa de grande solidez e com aquela pujança para dar aos sócios estabilidade emocional e de resultados. O Sporting era a equipa que todos diziam ter escolhido bem os reforços, mas esperava um pouco mais sobretudo ao nível da estabilidade do seu jogo. A verdade é que só estão disputadas 10 jornadas e continuarão a ser os três a decidir quem vai ser o campeão.
R – Temos apenas dois técnicos estrangeiros na Liga. Quique Flores é um estrangeiro com nível?
JM – Gosto muito do Quique. Depois, se analisarmos o seu percurso, vemos que estamos perante uma pessoa com fundamento e conteúdo. Surpreende-me a forma desinibida como ele aborda algumas matérias do futebol português, não é fácil e demonstra que está documentado. Falei com ele duas/três vezes e parece-me uma pessoa amiga e que gosta de falar sobre futebol. Está a fazer um esforço para tornar o Benfica grande, mas neste momento ainda não estamos perante um Benfica à Benfica. Este Benfica ainda não é uma grande, grande equipa...«Somos uma montra e ninguém quer sair»
R – Quem poderá substituir o Wesley?
JM – Não há muitos como ele. O Wesley faz golos, dá alegria, sabe temporizar, aparece na área de forma objectiva e precisa, tem influência em todo o jogo... Dou-me a pensar do porquê de nenhum grande ter um Wesley no seu plantel? Se sair é possível que a equipa continue a ter estabilidade, mas poderá não ter a mesma objectividade ao nível do golo. Sem o Wesley a equipa poderá alterar o modo de jogar.
R – Para o pós-mercado, já está a preparar a retaguarda com o Angulo...
JM – No futebol temos de ser mais rápidos que a concorrência e os clubes pequenos devem ser mais rápidos ainda a pensar. O Angulo era pretendido desde o início da época, mas não foi possível. Mas há vantagens. Com este nosso rendimento, os jogadores gostam de estar cá e há muitos outros que querem vir para cá. O Leixões é uma montra e é ponto assente que nenhum jogador quer sair.
R – Move-os melhores condições financeiras...
JM – Exactamente. Querem melhorar a sua vida e encarar desafios que lhes permita disputar títulos.
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