No próximo dia 28 o Leixões Sport Clube comemora os 102 anos de existência. Mais de um século de história gloriosa escrita com muito amor, sacrifício, sangue, suor e lágrimas de tristeza e de imensas alegrias. Muitos colocaram (e colocam) com orgulho o emblema na lapela e muitos outros guardam a suprema satisfação de um dia terem vestido a gloriosa camisola rubro-branca. São 102 anos que devem ser admirados, aplaudidos e respeitados. Mesmo nas horas difíceis. Só sabemos o valor das vitórias depois de termos sofrido o amargo das derrotas.
ONTEM Foi há muitos anos. Estava a República para surgir, daí a três anos. Os três mais distintos clubes de Matosinhos que já adivinhavam que o seu terreno de nascença iria ser, um século depois, o espaço duma cidade nova, criaram o Leixões Sport Club, um dos mais eclécticos clubes portugueses que começou por praticar as modalidades do futebol, do ténis e do cricket, sem esquecer, pouco tempo depois da sua formação, as provas de água (a Praia de D. Carlos chamava a isso), o atletismo, o rugby e o hóquei em campo. E os companheiros de Américo Pacheco foram surgindo cada vez mais senhores de sã força desportiva. Um Leixões fundador da Associação de Futebol do Porto e, depois percorrendo como pioneiro daquele que mais tarde foi chamado de desporto-rei pelos terrenos Taipas (Conde Alto Mearim), António Augusto de Aguiar (D. João I), Avenida Vitória (Avenida D. Afonso Henriques), Santana (rua Silva Pinheiro e, finalmente, o Estádio do Mar. Anos e anos na luta pela liderança do futebol regional e tomada de partilha entre os maiores nacionais, surgiram os primeiros grandes êxitos e os primeiros atletas a vestirem a “camisola de Portugal”. De vitória em vitória e no sofrimento também de muitas derrotas, o clube foi crescendo e chamando para si o respeito de tudo e todos. Campeonatos ganhos, títulos conquistados, triunfos festejados, tudo isso aconteceu. O futebol e o voleibol fizeram atravessar fronteiras, o primeiro pela conquista inesquecível da Taça de Portugal no terreno do adversário que viria ser o colosso FC Porto , bem como doutras classificações honrosas, e o voleibol, com as “Marias” e com o clã Costa Pereira a arrastar consigo o “vício da vitória”. Muitos anos de luta que culminaram com a construção, mas ainda inacabado Estádio do Mar, graças ao esforço dos pescadores que não só de Matosinhos contribuíram com produto do seu trabalho para tamanha vitória. Um exemplo que no clube jamais teria comparação numa manifestação de amor colectivo. E, assim, se construiu um dos maiores clubes portugueses que durante quase 70 anos se impôs, sem medo das dificuldades mais diversas.
HOJE A partir dos anos 70 do século passado é que os problemas de grande dimensão começaram a surgir. Não só pela alteração do novo regime de vida nacional, mas, sobretudo, porque principiou a existir a inexistência do “amor à camisola” para ser substituído pelo “amor a quem paga mais”. Foram escassas as excepções. E as dificuldades passaram a existir. As receitas passaram a ficar a larga distância das despesas. E Matosinhos, que gosta do Leixões, na hora de demonstrar esse amor, salvo aquele momento histórico do esforço dos pescadores e da indústria de conservas e pesca, nunca mais houve nada de parecido. Esforços pessoais aqui e além, grandes manifestações de dedicação, mas acabando todo este empenho num amontoado de passivo que ainda não se sabe como e quando irá ter um sinal que não seja a vermelho. Seria mentir se não se dissesse que houve quem se sacrificasse bem pelo “seu” Leixões, mas também houve alguns que se servirem do “nosso” Leixões para se tornarem conhecidos por uma via censurável e que foi o de empenhar o clube. Andamos numa vida de sobe e desce no futebol, no desaparecimento de diversas modalidades, levantamos o ego com a ida a uma final da Taça de Portugal, mas a cada dia que passava mais fundo se cavava a sepultura do clube com o continuado e sem regra empenhamento financeiro, só se pensando em ganhar, mas não se fazendo lembrar tais mentes fanáticas de poder, que ganhar a qualquer preço tem um fim de desgraça, mesmo que pelo meio haja momentos de euforia. E foi o que aconteceu. Não houve outra solução que não fosse “rasgar” um pedaço do estatuto do clube e formar-se apressada e desordenadamente uma sociedade anónima desportiva, com a Câmara Municipal a ser o único capital sonante que entrou nos cofres. O resto foi o amortizar duma dívida incomensurável para com um associado e do outro (clube) a entrega dos chamados activos (passes de jogadores) de duvidosos valores. Houve a sorte, passado pouco tempo da presidência bicéfala leixonense - Clube e SAD - que surgiu um homem que nunca tinha passado de “amigo” do Leixões, entregando do seu bolso alimento financeiro para as modalidades de voleibol, natação e futebol de formação, passando a ser associado e mártir, assumindo a presidência da SAD, começando a limpar todos os cancros financeiros que estavam a atirar o clube para a morte, a começar pela penhora do Estádio do Mar, mas fazendo todo esse esforço com o produto de muitas ajudas fomentadas pelo seu espírito de entrega e de saber administrativo, mas também - e de forma severa - do seu bolso. Esta situação traria fatalmente à tona da água as pessoas atingidas pelo “amor” demonstrado ao clube à custa do acelerar do seu fim. O Leixões trepou alguns degraus no seu prestígio de “gente séria” e atingiu de novo a alta roda do futebol. Na época passada foi sensação, esteve no topo dos melhores, mas tudo isto custa trabalho e dinheiro. E, infelizmente, Matosinhos não é muito pródigo em exemplos de dedicação nos seus mais diversos quadrantes. Então de compreensão financeira para ajudar, nem se fala. Critica-se que é a Câmara acima, a Câmara abaixo, os políticos na sua missão de baralhar as situações, mas ninguém se arrepela e comenta o distanciamento de grandes empresas matosinhenses que fazem de conta que o Leixões não existe. Aparecem, de vez em quando, na hora das vitórias. Carlos Oliveira bem “inventa” ajudas, mas são mais aqueles que prometem e nada dão do que aqueles que compreendem o seu esforço. A contribuição dos associados não chega para nada, mesmo com orçamentos de custos duma equipa de futebol que é das mais baratas da Liga. Os estragos do antigamente continuam a fazer mossa e a vida cada vez mais se complica. E casa onde não há pão e vitórias...
AMANHÃ Ora aqui está a grande interrogação. Seria natural que em dia de aniversário se cantasse vitória e batessem palmas. Mas a realidade é preocupante. A vida do Leixões continua ausente da vida dos matosinhenses mais interessados pelas coisas da sua terra e está na dependência de um só homem e duma curta equipa de gestão. Carlos Oliveira foi algo que caiu do céu para o clube, mas já esgotou os “milagres”. Ele bem pretende arrumar a casa da SAD para pensar depois no clube e no seu eclectismo, mas a equipa de futebol que na época finda adoçou a boca dos leixonenses, este ano não é a mesma e a vida desportiva virou de pernas para o ar. Sem dinheiro, sem ajudas, o orçamento teve de levar um golpe de cima a baixo. E os leixonenses, que à chuva e ao sol andam atrás da equipa, só querem ganhar. Compreende-se, mas quem só tem dinheiro para andar de bicicleta não pode querer andar de automóvel, tão pouco de Mercedes... Todos nós sabemos que o futebol é o barómetro da estabilidade do clube, mas este não tem estabilidade financeira e sem esta não há hipóteses de ter uma equipa de ases e fabricadores de golos. Daí os resultados incertos e a incerteza também no dia de amanhã desportivo. Daí o desespero de muitos. E não se julgue que Carlos Oliveira e quem o rodeia não perde o sono. O Leixões tem de ganhar lastro para poder encarar o futuro. É urgente aumentar não só o número de associados, mas essencialmente de quem queira investir no clube, Câmara Municipal e, sobretudo, as empresas que mais de Matosinhos dependem como a Petrogal, APDL, Silos de Portugal, grandes superfícies comerciais e as múltiplas actividades empresariais que mesmo modestamente poderão ser uma forte ajuda. Ter-se-á de criar ambiente para que o processo de relançamento urbanístico da zona do Estádio do Mar avance, pois tal será mais uma oportunidade de consolidação do clube. Não é com a cabeça fora do sítio que se erguerá o complexo de Santana e em cujo espaço estará o futuro do Leixões. Sim, o futuro. Ninguém pode acreditar que o Amanhã se poderá continuar a construir a comprar dúzia e meia de estrangeiros para chutarem uma bola e, ainda por cima, sem grande possibilidade de escolha, face à cotação financeira dos mesmos. Teremos de voltar a outros tempos. A gente da casa, a quem tenha por desejo vestir e defender a camisola do Leixões. E não seremos só nós a ir por esse caminho, pois toda a gente anda enganada, está falida. Deixe-se surgir o mês de Janeiro e caso as entidades que superintendem no futebol actuem como gente séria, veremos como estão as finanças dos clubes e, há a triste certeza, que a lei levada a letra, tal como deve ser, não sabemos se haverá continuidade das provas nacionais de futebol. Exagero? Não, não é. Basta estar atento ao que se passa. Pela nossa parte fazemos votos que o 28 de Novembro toque a consciência dos leixonenses e dos matosinhenses. O Leixões faz 102 anos e merece respeito. Há que pensar nele e ajudar aqueles que já não estão perto de ataque de nervos, mas sim já extremamente tocados pelos mesmos, em franja. O Leixões, repetimos, merece respeito. Não basta dizer que se é do Leixões. Vamos lá amparar o velho, pois ele não pode ficar pelo centenário.
0 desabafos :
Enviar um comentário